9.11.10

"Corredor Cultural: o que é?" por Yuri Campagnaro

Por Yuri Gabriel Campagnaro, coordenador do DCE-UFPR 2009/2010, militante do Coletivo Barricadas Abrem Caminhos e do Coletivo Maio do Direito da UFPR, membro do Conselho de Representantes Discentes 2010/2011

O Corredor Cultural é um projeto em parceria da UFPR com a Prefeitura de Curitiba e entidades comerciais, como a Associação Comercial do Paraná, e consiste em reformas no prédio histórico da UFPR e no Teatro da Reitoria.

1. Relação do Corredor Cultural com o projeto de revitalização do centro de Curitiba pela Prefeitura e entidades empresariais.

O projeto está inserido num contexto mais amplo, que abarca reformas no centro da cidade feitas pela Prefeitura municipal e pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), o chamado “Centro Vivo”, encabeçado pela Associação Comercial do Paraná. São reestruturações que visam à revitalização do centro da cidade, que está em situação de decadência, com prédios feios e abandonados, prostituição, mendicância, usuários de drogas e um comércio voltado ao que chamam “classes C e D”.
Essas reformas começaram há alguns anos, são as obras feitas na R. Marechal Deodoro, Praça Tiradentes, Paço da Liberdade e, mais recentemente, a R. Riachuelo e São Francisco. Também se insere nesse contexto a futura reforma da região da R. João Negrão, que abrigará o novo campus da UFPR.
No mesmo eixo que o Centro Vivo vem a “Corrente Cultural” e eventos como a recente “Virada Cultural”.
Mas em que consistem essas obras e reformas, essa revitalização?
Omar Akel, administrador da regional Matriz-Centro por parte da Prefeitura, parte da cidade que está sendo objeto dessa reestruturação, e irmão do reitor da UFPR, Zaki Akel, afirmou em entrevista ao jornal Gazeta do Povo que esse projeto visa a “moralização” e “domesticação” da área.
Segundo o arquiteto, que é responsável pela revitalização da R. Riachuelo e S. Francisco, será devolvido a essa região o conceito de “centro histórico de cidade civilizada”. Mas, para realizar essa “domesticação” é ressaltado o aumento da repressão policial na área: além de mais câmeras de segurança, Akel afirmou que “... vamos começar a ver maior presença de policiamento na área...”. Uma verdadeira política higienista.
Tudo isso para fazer um grande “shopping a céu aberto”, conforme proposto pelo SEBRAE, visando, principalmente, o desenvolvimento econômico dessa área.
Analisemos mais a fundo o exemplo da reforma da R. Riachuelo. A obra custará R$ 1,5 milhão. Essa despesa será custeada pelo Poder Público e também pelo SEBRAE e pela FECOMERCIO, seguindo a lógica histórica da Prefeitura, que na reforma do Paço da Liberdade teve como parceiro o SESC.
Um fato muito importante é que, à época da reportagem da Gazeta do Povo (19/07/2009), 40% dos imóveis da Riachuelo estavam vazios, isto é, sem ninguém estar morando nem utilizando para qualquer fim, econômico ou não, e sem estar para alugar ou para vender. Pura especulação imobiliária.
Já no ano passado, a rua começou a se valorizar e os imóveis nesse entorno se tornaram muito mais caros em questão de pouco tempo, assim como os aluguéis. Uma comerciante local, na reportagem citada, já afirmava que “a rua ainda nem foi reformada e os proprietários já estão aumentando o valor do aluguel. Tem imóvel desocupado que já dobrou o preço”.
De forma extremamente cínica, o SEBRAE pretende ajudar os comerciantes da rua – que têm pequenos negócios, lanchonetes, confeitarias, mas principalmente brechós e lojas de móveis usados – a mudarem sua “cultura”. Da moda brega à moda retrô. Como traz a reportagem, “o arquiteto do Ippuc Mauro Magnobosco, coordenador do Projeto Novo Centro, aposta na ‘repaginação’ dos brechós e lojas de móveis, mas também na atração de ‘um comércio mais sofisticado’.”
A proposta de serviços que visam oferecer é bem sintetizada pelo empresário do Batel, Alessandro Weber: “Tem que se transformar em um lugar mais charmoso, nem que seja por um tatuador bacana, um salão de beleza badalado ou arte na rua”. Ou seja, a intenção é transformar essa área numa região pop-cult para os ricos “alternativos”, que não gostam nem de baladas eletrônicas nem de música sertaneja.
Isso ignora o fato de que com a valorização crescente da região esses pequenos comerciantes tendem a, em médio prazo, abandonarem a rua e serem substituídos por um comércio mais luxuoso e afeito a esse “público diferenciado”.
Intentam, conforme o jornal, requalificar e diversificar os negócios da área, o que “obrigatoriamente passa pela reforma e restauração das fachadas e da infraestrutura dos imóveis, alguns deles há muito abandonados”. Mais gastos para os comerciantes.
Mas mesmo com essa característica de retirar os pequenos empresários da região, estes não estão com todo o prejuízo. Transcrevo parágrafo da reportagem:
“O poder público espera que os empresários tragam atrativos para a região, repovoando o local e gerando riquezas; enquanto os investidores esperam que o governo primeiro ‘limpe’ e valorize a área, para que o risco da aplicação de recursos caia e a taxa de retorno seja parecida com a obtida em outras área da cidade. O pacote de incentivos fiscais da prefeitura, até agora, só foi anunciado extraoficialmente e prevê isenção temporária, por um período de 5 a 10 anos, de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) aos proprietários de imóveis e de Imposto Sobre Serviços (ISS), aos empresários da região. Os incentivos só serão concedidos aos projetos que estiverem alinhados ao plano de revitalização.”
Da mesma forma, para pintarem as fachadas dos imóveis, a empresa Tintas Coral paga a tinta, enquanto que o único gasto dos proprietários é com a mão de obra do serviço.
Quais são os efeitos dessa reforma?
Especulação imobiliária, que a partir de imóveis vazios, valoriza a região com o fim de ganhar dinheiro. Vimos isso também acontecer na Praça Tiradentes, onde ainda hoje existem prédios inteiros completamente vazios.
Transformação do centro, decadente, em espaço modelo da cidade, voltado para consumidores específicos, a classe média intelectualizada e estudantes do centro – expulsando consumidores e comerciantes de classes mais baixas.
Privatização dos espaços públicos, cedendo prédios a entidades privadas, como o Paço da Liberdade ao SESC, e incentivando materialmente a valorização da região para os comerciantes mais ricos e beneficiando os empresários com isenções de impostos, assim como no trecho Tecnopark da Linha Verde.
Criminalização da pobreza, pela repressão policial e políticas de iluminação e vigilância. Lembro aqui que a partir desse semestre a reunião das viaturas dos Policiais Militares que atuam no centro acontece na praça Santos Andrade, por onde circulam cada vez mais policiais.
Sem planejamento há o caos, mas às vezes o próprio planejamento é o causador do caos. Curitiba é a “cidade modelo”, propaganda, sorriso, ecológica, etc., porém foi considerada pela ONU este ano como a 17ª cidade mais desigual do mundo. Também em 2010, a gazeta anunciou em sua capa de 1º de maio que “Curitiba é três vezes mais violenta que São Paulo. E empata com o Rio”. Essa desigualdade absurda da cidade, modelo em sua região central e nos bairros onde moram os mais ricos, perversa para a maioria, pobre, que mora na periferia, motivou o grupo Comunidade Racional a fazer o rap de crítica “Cidade Holograma”.

2. Projeto Corredor Cultural de Curitiba – parceria UFPR, Prefeitura de Curitiba e Associação Comercial do Paraná.

Dada essa contextualização inicial, tratemos mais especificamente do projeto. O nome Corredor Cultural é porque entre as ruas XV e Marechal Deodoro, do prédio histórico até a Reitoria, há 13 pontos de cultura enunciados no projeto. São eles: prédio histórico da UFPR, Reitoria, Teatro Guaíra, Capela Santa Maria, Correio, Centro de Estudos Bandeirantes (PUC), Centro Tecnológico (PUC), Memorial Guido Viáro (privado), Diário Popular (privado), Livrarias do Chaim (privado), Livrarias Curitiba (privado), Cine Luz (não existe mais) e, o mais incrível, Associação Comercial do Paraná.
O projeto consiste na confecção de outdoors, no incentivo a grupos artísticos da Universidade, como o TEUNI e a orquestra, a qual se mudará par ao primeiro andar (para “encher” a praça de música). Também vão fazer uma grife Corredor Cultural e uma logomarca. Mas o principal é a reforma do prédio histórico e do teatro da reitoria.
Toda a obra é orçada em R$ 35.865.906,00. Todo esse dinheiro virá parte de recursos públicos, parte de recursos privados. Do erário, as fontes são emendas parlamentares (como as do deputado Ângelo Vanhoni do PT), recursos do Ministério da Educação e do Ministério da Cultura, além de recursos próprios da UFPR. A porcentagem privada desses recursos é oriunda de investimentos de empresas e entidades comerciais, como a Associação Comercial do Paraná e a FECOMERCIO.
Em troca desse custeio, a Universidade, como contrapartida, irá tomar várias medidas. Entre elas, a criação de lajotas das parcerias, com o nome dessas empresas no prédio histórico, vídeo institucional, a criação de um programa de Talentos UFPR, curadores de cultura, site transparências da FUNPAR, etc. Mas, principalmente, a UFPR irá transferir parte do potencial construtivo do prédio histórico e do prédio da Reitoria para essas entidades.
Potencial construtivo é algo complexo de entender. No plano diretor da cidade, há áreas em que há um limite de andares para a construção de edifícios, como no exemplo da Av. Visconde de Guarapuava, onde há, de um lado da rua, prédios de 3 andares e, do outro, 10. Digamos que nesse lado onde o limite é 3 eu seja proprietário de um edifício de apenas 1 andar. Sobram 2. Esses 2 que sobram são um potencial construtivo, é algo que eu poderia construir e que, mesmo sem existir, pode ser vendido. Alguém proprietário de um terreno do outro lado da rua pode comprar os meus 2 que sobraram, os meus 2 de potencial construtivo, para construir então um edifício de 12 andares, acima do limite do plano diretor. Assim que nascem prédios gigantescos na saturada região da Praça Osório.
Dessa forma, o que observamos com a transferência do potencial construtivo do prédio histórico e o da reitoria é a venda indireta de algo que é propriedade da Universidade, portanto, vemos a evidente privatização de um bem público. Nesse aspecto, haverá uma interface com a Prefeitura, visto que o prédio histórico não é tombado, enquanto que o bonito prédio modernista da Reitoria é.
Além da parceria com a Prefeitura e com essas entidades comerciais, o projeto também conta com a participação ativa do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). A história começa anos atrás. Em 1992, o quarto andar do prédio histórico sofreu um incêndio. Para verificar a estrutura arquitetônica do edifício, o IPPUC, como um favor institucional à Universidade, realizou um levantamento e um estudo sobre o prédio.
Agora, em troca dessa benfeitoria, a UFPR chamou três arquitetos do instituto para coordenar o projeto Corredor Cultural, sem concurso público, numa troca de favores. Aqui vem a pergunta, que insiste em reaparecer: qual a relação da UFPR com o governo municipal? A UFPR faz papel de Estado ou de governo? E qual a relação com essas empresas e entidades comerciais?
Todo esse projeto vem para trazer cultura para a região central da cidade. A ideia é trazer a periferia para o centro, é revitalizar a região. Trata-se de uma “invasão de cultura no centro de Curitiba, da Praça Santos Andrade até a Reitoria, com espaços de moda retrô, reformas nos prédios, teatros, bares, cafés!”
Segundo o coordenador de cultura da Universidade, professor Guilherme Romanelli, um dos responsáveis pela proposta, o projeto “tem o mérito de ser o embrião de uma política cultural na UFPR, pois as decisões culturais não podem estar pautadas só na PROEC [Pró-reitoria de Extensão e Cultura]”.
Cito parágrafo da reportagem “Corredor Cultural quer revitalizar o entorno da UFPR” do site da Universidade, acessado em 19/07/2009:
“A ideia do corredor cultural nasceu de diferentes demandas. A demanda da comunidade universitária, que vê no Prédio Histórico uma vocação cultural; dos grupos artísticos da UFPR, que estão em condições insalubres de trabalho; e da sociedade, em particular moradores do entorno de 15 mil metros quadrados, e turistas que gostariam de participar mais da vida cultural ofertada pela universidade”.
O projeto tem quatro eixos principais: inclusão social, acessibilidade, segurança e sustentabilidade. Na reportagem, afirmam que os grupos artísticos ganharão novos espaços e que serão valorizados os cursos de Luteria e Produção Cênica. Será criado o curso de Museologia, além de um Museu da UFPR e da manutenção do Museu de Arte (MusA) e do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), que serão adequados para atender as ações educativas. Os três museus terão seus acervos disponíveis virtualmente, permitindo acesso gratuito e ilimitado.
De acordo com o site da Associação Comercial do Paraná, Centro Vivo, acessado em 09/11/2010, Na data de 06/10/2009 foi realizada, pelo reitor e pela PROEC uma apresentação do projeto em parceria UFPR e ACP/Centro Vivo. Estavam presentes “presidentes das entidades mais representativas do Paraná, tais como Darci Piana - Presidente da FECOMERCIO/PR, Rodrigo C. da Rocha Loures - Presidente da FIEP, Ardisson Naim Akel - Presidente da FACIAP, e diversas autoridades municipais”.
Observando de perto todas essas características, fica claro também outra importante constatação referente ao projeto: qual a concepção de cultura da Universidade. Beneficiando diretamente o setor privado e empresarial, o governo municipal e a UFPR bancam uma noção cultural pautada no mundo da mercadoria. Consumir cultura, e de quebra consumir nas lojas ao entorno. Expurgar as classes mais baixas do centro, higienizar (como se a pobreza fosse sujeira), domesticar, excluir e moralizar. É essa a cultura que a Universidade deve levar pra sociedade?

3. Consequências da reestruturação para os estudantes da UFPR.

Como já foi dito, o projeto está orçado em cerca de R$ 35 milhões. Curioso que para as 83 construções e reformas em andamento na UFPR em 2010 serão investidos R$ 42 milhões.
Assim como a Prefeitura concentra investimentos de recursos numa área específica da cidade, no centro, em detrimento da região da periferia (enriquecendo a parte rica e empobrecendo a parte pobre); a Universidade faz o mesmo, privilegia um setor em detrimento de outros.
De acordo com o projeto, o Setor de Ciências Jurídicas – que contém apenas dois cursos, o de direito diurno e o de direito noturno – quase dobrará seu espaço, terá uma sala para cada professor titular e aumentará em 80% sua biblioteca.
Em contrapartida, os cursos que são da área da cultura, prometidos, como dito antes, a ficarem no prédio central, vão se mudar para o prédio da escola técnica – luteria e produção cênica. A psicologia mudará para o novo campus da R. João Negrão e seu espaço atual do prédio histórico será completamente destruído para a construção de um imenso auditório de três andares.
Enquanto o direito aumenta seu espaço, os cursos do campus novo estão com destino ainda incerto. Enquanto cada professor titular do direto terá sua própria sala, no curso de Letras os professores disputam com outros cursos a possibilidade de ter uma sala de (todos os) professores. Enquanto a biblioteca do direito quase dobra, não se sabe o que a história, que ficará no campus João Negrão, irá fazer com os livros de sociais que precisa usar e que ficarão no campus da Reitoria.
Ainda assim, o curso de Direito só está sendo beneficiado nos critérios quantitativos; como é corriqueiro na gestão Zaki, o que importa é a estatística, o número, e não a qualidade.
A maioria das salas do curso estão sendo projetadas para abrigarem 115 alunos, ignorando completamente a constante reivindicação estudantil por salas divididas, de 50 alunos, e o processo de reforma curricular de 2009 que afirmou que a “divisão de turmas é um processo”. Pois bem, a construção de salas de 115 alunos inviabiliza fisicamente a possibilidade de algum dia as salas poderem ser menores.
Essa reivindicação não vem à toa, a pedagogia reconhece há tempos que o único modo de ter um conhecimento crítico e não mera decoreba passiva de palestras despejadas no aluno é por meio de um contato mais direto com o professor. O modelo 115 alunos é o mesmo seguido por cursinhos, o modelo de ensino do REUNI, da Reforma Universitária do governo Lula – modelo “escolão”.
Não é a toa que a UFPR teve a 4º maior aprovação na OAB entre as faculdades do Brasil inteiro. A intenção é criar um centro de excelência, para o que se deve aumentar a quantidade de aulas, diminuindo o espaço da pesquisa e extensão, e aumentar a massificação do ensino. O ensino fica evidentemente voltado para o mercado de trabalho. A produção de conhecimento fica preterida. Centro de excelência significa aprovação dos estudantes em exames e concursos, sucesso no mercado de trabalho. A educação e a crítica não precisão ser excelentes.
O curso de direito também vai ter que sair do prédio histórico por um período, devido às intensas reformas. Não se sabe para onde o curso vai, para onde vai sua biblioteca, nesse período.
Estranha é essa revitalização que tira vida, pois vai retirar 3 dos 4 cursos do campus Santos Andrade, isolando o curso de direito da universidade, transformando o espaço público em uma ilha isolada por onde a classe média intelectualizada vai passar cultura e, principalmente, vai consumir.
O projeto também prevê a construção de um teto de vidro para o subsolo do campus, onde vai ser inserido um café, uma boutique UFPR e uma livraria da Universidade. Consumir cultura. Comprar. Como será a utilização do prédio por parte das empresas? No Paço da Liberdade, o prédio foi cedido ao financiador SESC, o mesmo acontecerá com parte do prédio histórico?
O projeto já foi aprovado no Conselho de Planejamento e Administração (COPLAD) e embutido no novo Plano Diretor da UFPR no final de 2009. O que resta ao Movimento Estudantil é debater e lutar pela pauta da educação socialmente referenciada, gratuita, pública e de qualidade, que está em séria ameaça com esse projeto. Não podemos cair na ilusão que querem nos passar de que a única coisa que podemos interferir é o lugar onde vai ficar a escada, ou onde serão os elevadores. Não devemos nos eximir de criticar o fundamental, radicalmente. Ou somos em conjunto com os estudantes ou nos entregamos passivamente à lógica de mercado, à interesses evidentemente privados que esse projeto sustenta.
Não podemos ficar em silêncio. Não podemos aceitar que uma reestruturação desse porte nos seja imposta goela abaixo. Essa é uma decisão de toda a comunidade acadêmica, o que inclui imediatamente os estudantes. Queremos diálogo de verdade! Queremos cultura para além de um corredor! Queremos educação pública e não a serviço dos empresários! Queremos paridade na qualidade física entre todos os setores da Universidade!

4. Referências:

[1] 10/07/2009. Corredor Cultural quer revitalizar entorno na UFPR. disponível em: http://www.ufpr.br/adm/templates/index.php?template=2&Cod=5271
[2] 19/07/2009 Pollianna Milan. “UFPR planeja 1 km de cultural.” disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=906627&tit=UFPR-planeja-1-km-de-cultura
[3] Depois de 06/10/2009. O Centro Vivo e a Universidade Federal do Paraná promovem café da manhã. disponível em: http://centrovivo.acpr.com.br/?ID_MATERIA=107&ID_TEMPLATE=1
[4] 13/10/2009. Corredor Cultural é explicado a empresários.” disponível em: http://www.ufpr.br/adm/templates/index.php?template=2&Cod=5630
[5] novembro/dezembro 2009. Revitalizando o centro de Curitiba: Corredor Cultural pretende intensificar ações unindo áreas coltadas para a Cultura no centro da capital.” em: Revista do Sistema Fecomércio SESC SENAC Paraná. Ano IX nº74
[6] 02/03/2010.Novas construções no Centro Politécnico para as engenharias.” disponível em: http://www.ufpr.br/adm/templates/index.php?template=3&Cod=6038
[7] 04/03/2010. Semana do Calouro de Arquitetura e Urbanismo UFPR. Pró-Reitora de Extensão e Cultura, Elenice Mara Matos Novak, e arquiteta coordenadora do projeto Corredor Cultural, Maria Luiza Dias
[8] 16/03/2010. “Deputado Ângelo Vanhoni participou de encontro com reitor e professores da UFPR. Disponível em: http://www.ufpr.br/adm/templates/index.php?template=2&Cod=6096
[9] [provavelmente produzido pela PROEC em 2009] “Protocolo de inteções para a implantação do projeto 'Corredor de universalização da cultura': centro cultural UFPR”
[10] 01/05/2010. “Curitiba é três vezes mais violenta que São Paulo. E empata com o Rio” disponível em: www.gazetadopovo.com.br/.../conteudo.phtml?id=998243
[11] 09/11/2010. “Cidades brasileiras integram lista das mais desiguais” disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,cidades-brasileiras-integram-lista-das-mais-desiguais,526730,0.htm
[12] 19/07/2009 “Lojistas recebem apoio para melhorar atendimento” disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?ema=1&id=906641
[13] 19/07/2009 “Rua já passa por valorização” disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?tl=1&id=906639&tit=Rua-ja-passa-por-valorizacao
[13] 19/07/2009 “Riachuelo quer recuperar brilho” disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?err=1&id=906635

Uma nova guerra social abre-se na Europa

Escrito por Charles-André Udry
O economista Charles-André Udry analisa a crise da dívida pública europeia e diz que a política de deflação social competitiva fará milhões de mortes sociais.
1. Desde 8 e 9 de Maio de 2010 - quer dizer, desde a reunião de urgência do BCE, ECOFIN e FMI a fim de estabelecer um plano de ajuste dos diversos países da UE - todos os governos anunciaram planos de austeridade orçamentária "para salvar a zona euro". Uma guerra de classe duma nova amplitude foi declarada na Europa: o que resta do Estado de bem-estar social, saído do período após a Segunda Guerra mundial, deve ser desmantelado, à excepção dum «filão social» tipo Banco Mundial.
Em 10 de Maio, um banqueiro britânico encontrou uma boa fórmula política: "É mais fácil vender este plano dizendo que deve servir para salvar a Grécia, Espanha e Portugal, do que confessar que se deve salvar e ajudar os bancos:» Esses bancos (alemães, franceses, espanhóis...) detinham uma montanha de títulos da dívida pública dos países «quebrados» (Grécia, Portugal, Espanha...). Segundo o Citygroup, a exposição dos bancos americanos face à Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha eleva-se a alguns 190 milhões de euros. Na sexta-feira, 7 de Maio, foi um massacre: qualquer um investidor queria desfazer-se dos seus títulos. «Não havia mais mercado», como confessou um operador do BCE, sob anonimato. E os balanços dos bancos ainda camuflam as montanhas de produtos tóxicos, avaliados a um preço artificial. O órgão de contrôle bancário alemão (Bafin) estimava em 800 milhões de dólares os «produtos tóxicos» ainda retidos pelas instituições bancárias (Financial Times, 24 de Maio de 2010).
É preciso recordar que dos 16 membros da zona euro, só seis são gratificados - se se puder utilizar esse verbo - pelas agências de qualificação com a categoria AAA.  São a Alemanha, a Áustria, a Finlândia, a França, Luxemburgo e os Países-Baixos. Uma espécie de «núcleo duro» - o Clube dos AAA - da zona euro, mesmo que a França seja, por vezes, considerada na fronteira desse domínio, no qual a Alemanha dispõe dum poder eloquente.
Uma tal qualificação permite, por sinal, à Agência Francesa do Tesouro (AFT) - agência de gestão da dívida do Estado francês - emitir um empréstimo de 5 biliões de euros com vencimento em Abril de 2060, portanto de 50 anos, subscrito em cerca de 90% por investidores não franceses. Em 21 de Maio de 2010, o mais reputado empréstimo do Estado francês - a Obrigação Assimilável do Tesouro (OAT) - encontrava prestamistas aceitando 2,93% de taxa de juros. O que suscita algumas reacções do lado da Grécia, quando as taxas de juros dos "seus" empréstimos por 10 anos oscilam em torno de 10%. E as obrigações gregas com vencimento em Março de 2012 tinham um rendimento bruto de 7,27%, isso comparado aos da França (com a mesma maturidade) 0,61% (24 Ore/Il Sole, 24 de Maio de 2010). Entre as economias do «centro da UE» - ou quase ao centro, como a França - e aquelas inseridas na periferia, a diferença é notória. O discurso sobre a convergência europeia sofre um golpe.
2. Há também a demonstração de que uma das funções do euro é a de se tornar uma moeda com um papel importante...  mas nos stocks das obrigações internacionais. E, portanto, na possibilidade dos mercados (quer dizer, os diversos investidores financeiros) exercerem uma forte pressão como credores sobre os devedores. Cerca de dois terços da dívida francesa foi contraída fora da França. Certamente é possível que capitais franceses refugiados em Luxemburgo ou na Suiça constituam mesmo uma fracção dos compradores.
A esse propósito, pode-se examinar a carta que foi publicada na NZZ am Sonntag (10 de Maio de 2010) e no New York Times. Ela ilustra os montantes da dívida pública e as dependências crescentes dos devedores-credores dos diferentes países da União Europeia (UE). Essa evolução, acentuada no curso dos últimos anos, traduz a liberalização dos fluxos de capitais assim como o envio do «crédito-dívida» visando responder às dificuldades de reprodução do sistema e da sociedade capitalistas.
Um tema, que diz respeito à sua «substância», explicado por Marx no Livro III do Capital. Marx insiste sobre a natureza de capital fictício dos títulos da dívida1, fictício mas bem real. Essa constatação esclarece, em parte, o "vasto golpe nas despesas públicas", uma das condições para alcançar um saldo orçamentário primário que permita lidar com a "carga" de uma dívida que registra, em parte, uma socialização das perdas dos "actores económicos privados".

3. Logo, ficou bem claro, no plano do discurso político, o período do G20 de Setembro de 2009 em São Petersburgo.   Então, Sarkozy proclamava: «É preciso refundar o capitalismo»; «É preciso torcer o pescoço da especulação». Os mercados - quer dizer, os bancos, os fundos de investimentos financeiros, os fundos de pensão, as seguradoras, as grandes firmas transnacionais muito globalizadas - simplesmente mostraram quem é que verdadeiramente está no comando.
O cenário está bastante claro. Bancos, seguradoras e fundos de investimento foram salvos da falência em 2008 pelos Estados e portanto pelos assalariados-contribuintes. Desde 2009, esses actores financeiros fizeram de novo bons negócios. Bancos e hedge funds - que se fazem uma forte concorrência em escala internacional - querem neutralizar uma baixa possível - e até previsível - de suas rendas provenientes de acções e dividendos, pois a retomada é muito fraca. Para isso, um objectivo se impõe: assegurar a punção dos juros sobre a dívida pública e consolidar os ganhos das operações especulativas com as moedas (taxa de câmbio volátil) e com as dívidas (títulos). Uma das estratégias especulativas (de ataque e de antecipação) consiste em vender a descoberto títulos do Estado - sem ter a propriedade deles e tomando-os sobre a forma de empréstimos a aqueles que os detêm em sua carteira - os países mais vulneráveis.  A operação se faz, geralmente, em duas fases: Por exemplo, vender por 5 milhões de euros em obrigações do Estado a 88,76 euros, encaixando 4,3 milhões de euros  Depois, três dias após, uma vez o título desvalorizado a 87,76 euros, recomprá-lo ganhando a diferença entre os dois preços, menos a comissão paga por haver tomado emprestado esses títulos.  As operações com os CDS (credit default swap) são do mesmo tipo.

4. Desse ponto de vista, Paul Krugman vê correctamente quando explica que, contrariamente à santa doutrina oficial, a atracção dos investidores pelas obrigações norte-americanas a 10 anos - cuja taxa de lucro se situaria abaixo de 3,3% na sexta-feira, 21 de Maio de 2010 - era originada na «Alta do pessimismo em relação às perspectivas duma retomada económica, pessimismo que fez os investidores se afastarem de qualquer coisa que lhes parecesse arriscado para se refugiar na aparente segurança da dívida do governo americano.» (El Pais, 23 de Maio de 2010)
Que a austeridade generalizada adoptada na Europa - no momento em que se deseja a retomada - conduz a uma depressão económica e social, como reconhecem diversos economistas pouco heterodoxos, não faz parte das preocupações dos "operadores". Essa preocupação pertence aos governos - de centro-direita ou centro-esquerda - que deverão seja se apoiar directamente nos aparelhos burocráticos sindicais, seja utilizar suas «hesitações» para purgar o sistema e fazer aceitar a purga. Tudo isso invocando a «unidade nacional», a «salvaguarda do país», a «necessária modernização produtiva e administrativa», pois o vigor do choque vai desestabilizando a mais de um.

5. Em Dezembro de 2009, o Boletim Mensal do BCE, em seu editorial, já afirmava dois objectivos prioritários para a UE. O primeiro, flexibilizar a legislação do trabalho na Europa. O FMI em seu relatório consagrado à Grécia, datado de Maio de 2008, insistia fortemente nesse mesmo objectivo. Traduzamos, liquidar os direitos do trabalho remanescentes, isso num contexto de desemprego e de emprego cada vez mais precarizado, a fim de reduzir «os custos salariais»; O segundo, a redução drástica dos défices e dívidas públicas. Isso num tempo muito breve e maciçamente passar de - 4,3% de défice do PIB em 2009 para a Irlanda a - 2,9% em 2014; de -11,2% para a Espanha a - 3% em 2013; de -9,3% a - 2,8% em 2013 para Portugal. Daí porque reduzir os serviços públicos (educação e saúde, etc.), os salários e o número de assalariados do sector estatal e para-estatal, as pensões dos aposentados. E favorecer as privatizações em certos sectores, com a possibilidade de testar a rentabilidade no curso dum período de PPP - participação-público-privada.
A Roménia já deu o exemplo. Desde 1 de Junho de 2010, os salários do sector público vão baixar 25%  e as aposentações 15%. Isso num país onde o salário mínimo é de cerca de 150 euros por mês! A experiência foi levada com um vigor similar nos países bálticos.
6. A histeria dos "especialistas" contra os défices silencia sobre quatro elementos. 1º As origens dos défices e das dívidas públicas; isto é, a crise de 2007-2009, os salvamentos bancários e a ajuda às indústrias e à construção. 2º Sem esses amortecedores (despesas públicas e transferências sociais), a queda do PIB não teria sido de 5% mas de 10% na França. 3º A redução do défice público na Suécia nos anos 1990 - sempre invocado como um exemplo - foi possível por causa do crescimento durante aquela década e porque as transferências sociais partiam de muito alto. Além disso, a Suécia pode desvalorizar a sua moeda (a coroa) para exportar. E dispunha de capacidade de exportação. 4º Mas a Grécia, Espanha, Portugal... não têm soberania monetária (desvalorizar e emitir a sua moeda) e, na zona do euro, não há nenhuma política económica e orçamentária comum e "solidária". A sua "soberania" está colocada em questão, como os direitos elementares de definir seu orçamento, que reflectem, à sua maneira, uma "escolha de sociedade".
Pelo contrário, hoje em dia, é imposta pelos «mercados» e pelos que dominam os países do centro da UE (a Alemanha com seu hinterland e os seus aliados) uma política de austeridade geral, com um peso particular imposto às populações dos países «periféricos». Tudo isso em nome duma retomada da dinâmica das exportações. Ela apoiar-se-ia na contracção dos salários directos e indirectos, com o objectivo de reduzir os custos unitários do trabalho.
Pergunta-se como é que em todos os países da UE, em conjunto, os salários podem ser cortados e as unit labour costs reduzidas; isso tendo em vista aumentar as rendas vindas das exportações para fazer face à carga da dívida. No essencial, as exportações efectuam-se, entretanto, no seio da UE. Estabelece-se um canibalismo selectivo.
Trata-se de uma escolha do capital alemão (e dos seus aliados próximos) que, por um lado, utiliza a seu proveito a divisão internacional do trabalho no seio da UE e, de outro, pretende deslocar, progressivamente, o centro de gravidade de suas exportações para fora da UE, sempre conquistando parcelas de mercado no seio da UE.
Essa política de deflação social competitiva fará milhões de mortes sociais. Ela imporá decisões que escapam totalmente às regras mais elementares da democracia burguesa parlamentar.
Ora, o BCE (Banco Central Europeu) aceita títulos degradados da dívida pública que os bancos possuem. E esses últimos refinanciam-se junto do BCE por menos de 1% de taxa de juros e continuam as operações especulativas sobre as dívidas e as moedas.
7. O New York Times (Steven Erlanger), de 23 de Maio de 2010, em primeira mão, escreveu: o "modelo social europeu" está em questão. O resultado das batalhas que se avizinham - no curso dessa guerra - será antes de tudo de ordem social e política. O assalariado europeu, que dispõe das maiores tradições sócio-políticas - apesar de todos os reveses passados - é o visado.
As mobilizações defensivas unitárias - recusa de cortes e rejeição da dívida (com a abertura dos livros das contas públicas e privadas), um sistema de impostos diferente, etc. - são decisivas. Isto para acumular forças e dar o sentimento duma capacidade de resistência e contra-ataque. Não embarcar na «política do choque» que se delineia. Na sequência, as questões elementares e essenciais virão para o primeiro plano da cena política.
Pode-se formular assim. Para orientar os investimentos para a produção de bens e serviços respondendo às necessidades sociais e ecológicas, é necessário que os assalariados disponham do controle sobre os recursos que produzem; dum serviço bancário público controlado democraticamente; do controle sobre o funcionamento das empresas, a apropriação da riqueza e a sua repartição; uma redução do tempo de trabalho. Então, quais são as prioridades que se colocam às sociedades europeias?
A dificuldade da situação não deve conduzir à renúncia duma perspectiva socialista, no fundo, a dos Estados Unidos Socialistas da Europa. Uma tal perspectiva enraíza-se, por sinal, nos problemas que os assalariados enfrentam. Sem isso, não está excluída uma viragem dramática da situação política, ao fim de um certo tempo.

Notas:
1 "A acumulação do capital da dívida pública não significa outra coisa [...] que o desenvolvimento de uma classe de credores do Estado que estão autorizados a cobrar para si certas somas sobre o montante dos impostos [...]. Esses fatos mostram que mesmo uma acumulação de dívidas pode passar como uma acumulação de capital [...].» Karl Marx, Le Capital, Livre III, Tome II, p.138-139, Editions sociales, 1959.

Por outras palavras, o dinheiro dado aos Estados pelos seus credores é dividido pelos títulos que o representam: obrigações, bónus do Tesouro, etc. Esses títulos duplicam esse dinheiro, mas como ele é em grande parte um gasto improdutivo - para pagar os encargos da dívida, por exemplo -, nem sequer representa o capital em funcionamento. Esses títulos são apenas capital fictício. Os Estados criam, assim, capital financeiro fictício. Mas os dirigentes desses Estados denunciam a "exuberância" financeira irracional!
Ora, o crescimento da dívida pública tem a sua origem nas dificuldades de reprodução do sistema e da sociedade capitalistas. Por um lado, salvamento de bancos à beira da falência - que tenham inflado a massa de créditos, logo participaram do crescimento do capital financeiro fictício, como agentes económicos, privados - e ajudar os "ramos privados" em dificuldade (o automobilístico com os seus sub-empreiteiros, o da construção). Por outro lado, "gastos sociais" para amortecer os efeitos (em termos de procura)  das recessões e procurar estabilizar o poder estabelecido.
Porém, hoje, esses são os amortecedores sociais sob ataque. Prioridade aos credores! Um teste social e político duma envergadura histórico-social à escala europeia para as classes dominantes... e para os assalariados.

Lausanne, 25 de Maio de 2010

7.11.10

Um mundo do tamanho dos seus sonhos - Lado B

Posto hoje este texto que fiz quando visitei o parque do Beto Carrero, em Santa Catarina, no início de Abril deste ano. Trata-se de uma série de impressões. Pode haver alguma incorreção nas informações, mas decidi publicá-lo da forma como veio na época, inclusive para preservar o estilo.

O parque

O município da Penha está situado no litoral de SC, abrangendo uma série de balneários, com população em torno de 20 mil habitantes e três atividades econômicas preponderantes: pesca, turismo e o Beto Carrero.

Fui ao parque no sábado à tarde. É uma estrutura muito grande que conta com as seguintes "atrações": shows em estilo circense, brinquedos de parque de diversões (montanha russa, elevador, etc...), pequeno zoológico e cenografias mil.

O urbanismo da cidade é evidentemente estruturado para servir o parque. As principais ruas, calçadas e estruturas levam todas a ele. Em torno das principais estruturas (binário de avenidas à beira-mar que terminam no parque) é impressionante a valorização e especulação imobiliária, com enormes mansões vazias à beira-mar e as melhores casas dos poucos que moram na região (imagino que sejam os advogados, médicos, arquitetos, donos de mercado, imobiliárias, restaurantes, etc de lá, que juntos devem ser em número menor que 100). Os pescadores só vi no mar e só posso imaginar onde e como moram, pois não consegui encontrar.

O parque emprega cerca de 1500-2000 pessoas, sem contar os terceirizados, em um município cujo total de habitantes é 20 mil. Segundo o site oficial do município, o mesmo conta com cerca de 15000 eleitores. Imaginando que seja essa a população economicamente ativa, é possível perceber que algo entre 1/3 e 1/4 (grosso modo) das famílias de lá tem alguém que trabalha no parque.

As condições de trabalho são péssimas: não há respeito à jornada de trabalho (todos trabalham mais que 8 horas por dia), não são pagas horas extras (segundo acordo coletivo, é banco de horas nunca repostas e nunca pagas - o sindicato é da Força Sindical), o almoço servido no refeitório é horroroso e os salários raramente passam do mínimo. Não há respeito à relação função/remuneraçã o - os trabalhadores não especializados (grande maioria) são chamados a fazer qualquer coisa, desde segurança à carpintaria. Ainda, o parque tem a prerrogativa contratual de mudar arbitrariamente os trabalhadores de cargo, queiram ou não. Lá, o assédio moral é método de gestão de pessoas.

É o maior parque temático da América Latina. Mas isso porque além da área utilizada é contada também uma enorme reserva natural de mata atlântica privada, que diminui a cada vez que o parque precisa ser expandido.

Ano passado houve um surto de dengue no parque. Escondido em um certo setor há um grande cemitério de brinquedos, todos muito enferrujados e completamente abandonados. Sem contar que há um banhado natural no meio do parque e muitas lagoas e lagos artificiais. O caso foi evidentemente abafado.

Os artistas
 
A grande maioria dos artistas do parque são trabalhadores da própria localidade. Fora raríssimas exceções, nenhum deles teve aulas de absolutamente nada: aprenderam as acrobacias e truques por eles mesmos, numa tradição circense. São artistas-proletá rios, recebem em média 700 reais para fazer 3 shows por dia, todos os dias, sem feriados nem fins de semana. Vários deles ainda encontram força e tempo para trabalhar na pesca, na construção civil e em outros serviços.
 
O que mais me surpreendeu foi a qualidade de algumas performances e a ciência posterior de que foram os próprios artistas que montaram a maioria dos shows, sem coreógrafos nem professores. Os produtores dos shows atuam neles também.
 
É claro que a estética dominante é de pura breguice, bem ao gosto do público formado em sua maioria por famílias de classe média e média-baixa para as quais o enorme slogan na entrada do parque faz todo o sentido: "Beto Carrero World, um mundo do tamanho dos seus sonhos". Mas pude notar, também, a presença de muitos proletários em visita ao parque, embora em bem menor número.

Os animais

Uma das "atrações históricas" do parque é o conjunto de shows com animais. Como os mesmos foram proibidos há alguns anos, os bichos foram transformados em zoológico. Há tigres, leões, macacos, ursos, lhamas, elefantes, cavalos, búfalos, pôneis (nos quais as crianças podem dar uma volta pela bagatela de R$ 15,00), girafas, tamanduás, etc... Vivem todos confinados em espaços muito pequenos e estão todos magros e evidentemente mal tratados (principalmente os felinos), com feridas sob o pêlo e aquele ar de tristeza que assumem os animais engaiolados. Muito embora tal evidência, os visitantes se  regalam em tirar fotos e enunciar a todo tempo frases de efeito como "que lindo", "nossa, que legal", "filho, olha o leão", etc.

Há grande número de animais exóticos e trata-se de um zoológico privado montado com animais que antes participavam de shows, o que devia ser um horror e tanto. Vale perguntar: as girafas, leões e tigres foram comprados? Como se faz para comprar uma girafa? E um tamanduá-bandeira? Um elefante?

As cenografias

Tudo no parque que seja minimamente "real" está muito bem camuflado. A proposta, não escondida de ninguém, é criar um "mundo dos sonhos", local onde "seus sonhos se tornam realidade". Sem eufemismos, é algo como "pague R$ 80,00 para viver um dia em um mundo perfeito".

Há, por exemplo, uma "Ilha dos Piratas", uma ilha artificial, à qual se chega através de uma ponte, com tema de piratas, com cavernas artificiais, um barco pirata artificial, um farol artificial, etc. Não há nada lá, a graça é ir até lá e ver. Ver o que? O mundo dos piratas. Há também uma aldeia indígena (americana, como nos filmes de faroeste) e um "Forte Apache" em tamanho "real". Tudo, no fundo, não tem nenhuma utilidade.´

Há muitas estátuas espalhadas por todo o parque. Dinossauros, seres fantásticos, animais conhecidos e personagens humanos. Fiquei sabendo que elas foram feitas por um homem que trabalhava na construção civil (departamento do parque), que não ganhou por elas nada além de seu próprio salário de fome. Ao invés de construir edificações, fez estátuas. O resto da cenografia é feita por trabalhadores do parque mesmo, no Setor de Cenografia.

Por fim...

O parque é uma lição de como se desperdiçar forças produtivas. Há motores e máquinas para todos os lados. O objetivo delas? Girar coisas, levantar e abaixar barcos fora d´água, botar coisas e pessoas e um lugar para voltar a trazê-las novamente ao lugar de origem. Há até um teleférico cujo objetivo é dar aos visitantes um passeio panorâmico e poupá-los de uma extensa caminhada de 200 metros! São máquinas da ilusão.

Pude notar, também, que algumas partes do parque são muito parecidas com partes reais de cidades reais. Por exemplo, a zona de alimentação, onde há uma série de lanchonetes e cafés, é muito parecida com partes do Batel, Alto da XV, Cabral e Bigorrilho, que são bairros de Curitiba. É impressionante como o urbanismo real em muitos sentidos se assemelha com o urbanismo dos sonhos do parque.

Observando o público, notei que há um misto de ilusão de fato, provocada pelas características materiais do parque, e de auto-ilusão. Afinal, quando alguém paga tanto por um dia perfeito de fantasias, é como se bloqueasse a mente para qualquer estímulo que pudesse impedir a realização desse objetivo. O público é composto principalmente por famílias de classe média e média-baixa, mas também por alguns ricos e proletários.

Duas observações finais devem ser feitas: a) fica nítida a sensação de que os donos do parque são também os donos da cidade, ainda mais se lermos um jornaleco local patrocinado por pequenos comerciantes; b) se são os trabalhadores que constróem as edificações, operam os brinquedos, produzem e realizam os shows, fazem a cenografia e tudo o mais, qual a serventia de existir um patrão, um dono?

4.11.10

Cultura para a periferia II


Na primeira postagem, refleti que o desenvolvimento da Indústria Cultural chegou a tal ponto que os consumidores são por ela padronizados e classificados, de modo que as mercadorias culturais que consomem são previstas para seu tipo social e espera-se deles que espontaneamente reconheçam essa marca de distinção. Theodor Adorno percebeu esse fenômeno há mais de meio século atrás, e pode-se dizer que ele marca a virada da Indústria Cultural do capitalismo de livre mercado para a era do capitalismo imperialista; da era da concorrência para a era do monopólio, no sentido que Lenin coloca a questão.

Também afirmei que os trabalhadores consomem muitas mercadorias culturais, mas justamente aquelas para eles especialmente produzidas pela Indústria. Por essa razão, não se pode falar exatamente que falta cultura para os trabalhadores. Muitos chegam a essa questão, em especial um setor da classe média intelectualizada, reivindicando que a periferia passe a consumir mercadorias culturais de padrão mais elevado, ou seja, do padrão da classe média intelectualizada, pois essas mercadorias seriam mais culturais, mais elevadas culturalmente que os fenômenos de massa. É um ledo engano, pois no fim das contas se trata da própria classe média aceitando com gratidão a distinção imposta pela Indústria.

Deixemos de lado, por enquanto, a questão sobre a libertação cultural dos trabalhadores. A ela voltaremos em outra oportunidade. Por hora, nos interessa a abordagem de um ponto não tão prático quanto evidente. Curitiba será palco da Virada Cultural, evento que já ocorreu em São Paulo, por exemplo, no qual durante alguns dias haverá exposições, shows musicais e peças, tudo com acesso gratuito. Será esta uma política cultural democrática?

Podemos afirmar com toda a certeza que é antidemocrático no sentido de que as atrações da Virada ocorrerão todas no centro da cidade ou em locais elitizados, o que dificulta o acesso dos moradores da periferia. E como a cidade espelha em sua geografia a sua composição social, ou seja, cada classe tem nela o seu espaço de acordo com o valor da terra urbana, os trabalhadores já estão geograficamente excluídos do espetáculo.

Argumentar-se-ia que o deslocamento é possível, pois muito mais barato que os ingressos que não serão cobrados. Nisso se chega, por exemplo, ao porquê das denúncias do corte de algumas linhas de metrô quando da Virada em São Paulo, impedindo a periferia de ir ao centro. Mas também devemos levar em conta que a vida urbana de cada classe é subjetivamente diferente. Os trabalhadores vivem em suas vilas, e sua condição social geral lhes impõe uma experiência urbana qualitativamente diversa daquela das classes médias e dos ricos. Encerra-se na vila, no trabalho e em mais alguns pontos esporádicos. A exclusão geográfica gera também uma barreira subjetiva. Há lugares para os quais não se vai. A cidade também classifica os seus consumidores.

E Curitiba os classifica muito bem. Tão bem a ponto de gente achar que aqui não há pobreza, quase não há favelas. Mas até a ONU reconhece que é a 17ª cidade mais desigual do mundo, e uma visita ao Tatuquara ou uma olhadela nos índices de violência não deixam mentir. É uma cidade muito injusta, e aqui a exclusão geográfica dos trabalhadores é brutal. Existe a cidade-modelo, mas existe também o seu Outro, a grande periferia pobre e violenta onde moram os trabalhadores, tornada invisível pelo urbanismo bem implementado – e por isso tão celebrado.

Mas nisso não se encerra todo o problema. As atrações programadas também classificam o seu público. Teremos Arrigo Barnabé, Hermeto Pascoal e Erasmo Carlos. É só conferir o mapa da programação e tirar as próprias conclusões (http://tinyurl.com/2aezzmy). Não é o caso aqui de avaliar estes artistas, que fique bem claro, até porque Barnabé e Pascoal merecem todo o nosso respeito (e nossa presença). Também teremos a presença da banda Sabonetes, do meu estimado amigo Wonder, a qual fortemente recomendo para os apreciadores do pop-rock atual. Deixadas estas considerações, sigamos.

O fato de não se cobrar ingresso esconde muito sutilmente que por trás da aparência democrática da Virada se opera uma exclusão brutal. O anúncio de gratuidade produz nas entrelinhas a mensagem de que todos são livres para comparecer porque a barreira econômica foi abolida. Entretanto, o público do evento já está previamente selecionado, seja pelo mecanismo de segregação geográfica urbana, seja pelo mecanismo de seleção pelo consumo. E espera-se que compareçam.

O dinheiro público empregado na empreitada é arrecadado através de um sistema que tributa absurdamente mais os pobre que os ricos, como não nos deixa enganar o IPEA (http://tinyurl.com/354yzuo). No fim das contas, rapidamente chegamos à conclusão de que oferecer espetáculos gratuitos como a Virada é a melhor forma de fazer com que os trabalhadores paguem os ingressos dos mais ricos, comprando para eles as mercadorias culturais de sua preferência. E se questionarmos, a resposta está na ponta da língua: mas a entrada é livre!

O público esperado é também aquele que mais tem condições de pagar pelas atrações. Como bem lembrou o companheiro Bruno Meirinho, não estão faltando escolas, infraestrutura urbana, etc, nas periferias? Ou está tudo tão bem que podemos nos dar ao luxo de gastar tanto dinheiro com espetáculos para as classes que poderiam pagar por isso? No capitalismo é assim, quanto mais se tem, menos se paga.

Parada obrigatória

Recomendo aqui o blog do companheiro, poeta e músico Yuri. Parada obrigatória para os ligados em poesia de qualidade. Atentem para o conteúdo!

O link: http://yuricampagnaro.blogspot.com/

3.11.10

Cultura para a periferia I



Um dos mais brilhantes raciocínios de Adorno em seu famoso ensaio A Indústria Cultural é o de que os monopólios culturais classificam suas mercadorias para classificar seus consumidores. Para cada setor da sociedade haverá uma mercadoria cultural prontinha, e espera-se que o consumidor a identifique espontaneamente. Eis a citação:

Distinções enfáticas, como entre filmes de classe A e B, ou entre histórias em revistas a preços diversificados, não são tão fundadas na realidade, quanto, antes, servem para classificar e organizar os consumidores a fim de padronizá-los. Para todos, alguma coisa é prevista a fim de que nenhum possa escapar; as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente. O fato de oferecer ao público uma hierarquia de qualidades em série serve somente à quantificação mais completa. Cada um deve-se portar, por assim dizer, espontaneamente, segundo o seu nível, determinado a priori por índices estatísticos, e dirigir-se à categoria de produtos de massa que foi preparada para o seu tipo. Reduzido a material estatístico, os consumidores são divididos, no mapa geográfico dos escritórios técnicos (que não se diferenciam praticamente mais dos de propaganda), em grupos de renda, em campos vermelhos, verdes e azuis.

Gosto cada um tem o seu. Essa assertiva é verdadeira, mas apenas até certo ponto. Pois ela não leva em conta que o gosto é socialmente construído, que a sociedade capitalista não é a soma de seus indivíduos, mas a segregação deles em classes sociais articuladas pelo modo de produção e reprodução da vida social. Quanto mais desenvolvido o capitalismo, mais complexa e brutal esta segregação. Cada um tem o seu gosto, de acordo com sua posição no processo social de segregação. Uns estão nos campos verdes, outros nos azuis. A pergunta, portanto, não é qual o seu gosto, mas por que este é o seu gosto e não outro.

E justamente por isso é que muitos indivíduos relativamente intelectualizados de classe média, ao se depararem com as mercadorias culturais consumidas em massa nas periferias brasileiras, rapidamente chegam à conclusão que falta cultura para a classe trabalhadora. Mas isso não porque estejam os trabalhadores privados do consumo de mercadorias culturais, mas porque as mercadorias culturais que consomem não estão de acordo com elevados padrões de humanidade.

Não percebem os indivíduos que as mercadorias culturais consumidas pelos trabalhadores, aquelas músicas ordinárias que são todas iguais, são tão mercadorias quanto os shows, CDs e livros consumidos pela classe média esclarecida. Não percebem porque tentam justificar pela razão os preconceitos caros aos seus corações, como diria Plekanov. A Indústria Cultural os classificou, e os que estão por cima aceitaram com gratidão a distinção.

Quando se pede cultura para a periferia, subliminarmente se deseja que o povo ignorante e iletrado se torne capaz de perceber, assim como nossos caros indivíduos de classe média, como as mercadorias culturais da classe B são melhores e mais verdadeiramente culturais que as da classe C. “Funk não é cultura, bom mesmo é o Seu Jorge!”. É este o caminho da libertação cultural dos trabalhadores, passar a consumir mercadorias culturais que estejam em um grau mais elevado na classificação das mercadorias culturais?

Fica a provocação, como mensagem inaugural d´Os Jacobinos. Aguardem que virá a continuação. Grande abraço!

Saudações!

Olá pessoal!

Esta mensagem é apenas a inauguração deste blog, que versará sobre política e arte. Sejam bem vindos, postem comentários, fiquem à vontade. O espaço é livre! Só não será permitida nenhuma manifestação fascista, o que, evidentemente, inclui homofobia, machismo, etc. Os socialistas são mais que bem vindos, são necessários!

Grande abraço!