3.11.10

Cultura para a periferia I



Um dos mais brilhantes raciocínios de Adorno em seu famoso ensaio A Indústria Cultural é o de que os monopólios culturais classificam suas mercadorias para classificar seus consumidores. Para cada setor da sociedade haverá uma mercadoria cultural prontinha, e espera-se que o consumidor a identifique espontaneamente. Eis a citação:

Distinções enfáticas, como entre filmes de classe A e B, ou entre histórias em revistas a preços diversificados, não são tão fundadas na realidade, quanto, antes, servem para classificar e organizar os consumidores a fim de padronizá-los. Para todos, alguma coisa é prevista a fim de que nenhum possa escapar; as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente. O fato de oferecer ao público uma hierarquia de qualidades em série serve somente à quantificação mais completa. Cada um deve-se portar, por assim dizer, espontaneamente, segundo o seu nível, determinado a priori por índices estatísticos, e dirigir-se à categoria de produtos de massa que foi preparada para o seu tipo. Reduzido a material estatístico, os consumidores são divididos, no mapa geográfico dos escritórios técnicos (que não se diferenciam praticamente mais dos de propaganda), em grupos de renda, em campos vermelhos, verdes e azuis.

Gosto cada um tem o seu. Essa assertiva é verdadeira, mas apenas até certo ponto. Pois ela não leva em conta que o gosto é socialmente construído, que a sociedade capitalista não é a soma de seus indivíduos, mas a segregação deles em classes sociais articuladas pelo modo de produção e reprodução da vida social. Quanto mais desenvolvido o capitalismo, mais complexa e brutal esta segregação. Cada um tem o seu gosto, de acordo com sua posição no processo social de segregação. Uns estão nos campos verdes, outros nos azuis. A pergunta, portanto, não é qual o seu gosto, mas por que este é o seu gosto e não outro.

E justamente por isso é que muitos indivíduos relativamente intelectualizados de classe média, ao se depararem com as mercadorias culturais consumidas em massa nas periferias brasileiras, rapidamente chegam à conclusão que falta cultura para a classe trabalhadora. Mas isso não porque estejam os trabalhadores privados do consumo de mercadorias culturais, mas porque as mercadorias culturais que consomem não estão de acordo com elevados padrões de humanidade.

Não percebem os indivíduos que as mercadorias culturais consumidas pelos trabalhadores, aquelas músicas ordinárias que são todas iguais, são tão mercadorias quanto os shows, CDs e livros consumidos pela classe média esclarecida. Não percebem porque tentam justificar pela razão os preconceitos caros aos seus corações, como diria Plekanov. A Indústria Cultural os classificou, e os que estão por cima aceitaram com gratidão a distinção.

Quando se pede cultura para a periferia, subliminarmente se deseja que o povo ignorante e iletrado se torne capaz de perceber, assim como nossos caros indivíduos de classe média, como as mercadorias culturais da classe B são melhores e mais verdadeiramente culturais que as da classe C. “Funk não é cultura, bom mesmo é o Seu Jorge!”. É este o caminho da libertação cultural dos trabalhadores, passar a consumir mercadorias culturais que estejam em um grau mais elevado na classificação das mercadorias culturais?

Fica a provocação, como mensagem inaugural d´Os Jacobinos. Aguardem que virá a continuação. Grande abraço!

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