9.11.10

Uma nova guerra social abre-se na Europa

Escrito por Charles-André Udry
O economista Charles-André Udry analisa a crise da dívida pública europeia e diz que a política de deflação social competitiva fará milhões de mortes sociais.
1. Desde 8 e 9 de Maio de 2010 - quer dizer, desde a reunião de urgência do BCE, ECOFIN e FMI a fim de estabelecer um plano de ajuste dos diversos países da UE - todos os governos anunciaram planos de austeridade orçamentária "para salvar a zona euro". Uma guerra de classe duma nova amplitude foi declarada na Europa: o que resta do Estado de bem-estar social, saído do período após a Segunda Guerra mundial, deve ser desmantelado, à excepção dum «filão social» tipo Banco Mundial.
Em 10 de Maio, um banqueiro britânico encontrou uma boa fórmula política: "É mais fácil vender este plano dizendo que deve servir para salvar a Grécia, Espanha e Portugal, do que confessar que se deve salvar e ajudar os bancos:» Esses bancos (alemães, franceses, espanhóis...) detinham uma montanha de títulos da dívida pública dos países «quebrados» (Grécia, Portugal, Espanha...). Segundo o Citygroup, a exposição dos bancos americanos face à Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha eleva-se a alguns 190 milhões de euros. Na sexta-feira, 7 de Maio, foi um massacre: qualquer um investidor queria desfazer-se dos seus títulos. «Não havia mais mercado», como confessou um operador do BCE, sob anonimato. E os balanços dos bancos ainda camuflam as montanhas de produtos tóxicos, avaliados a um preço artificial. O órgão de contrôle bancário alemão (Bafin) estimava em 800 milhões de dólares os «produtos tóxicos» ainda retidos pelas instituições bancárias (Financial Times, 24 de Maio de 2010).
É preciso recordar que dos 16 membros da zona euro, só seis são gratificados - se se puder utilizar esse verbo - pelas agências de qualificação com a categoria AAA.  São a Alemanha, a Áustria, a Finlândia, a França, Luxemburgo e os Países-Baixos. Uma espécie de «núcleo duro» - o Clube dos AAA - da zona euro, mesmo que a França seja, por vezes, considerada na fronteira desse domínio, no qual a Alemanha dispõe dum poder eloquente.
Uma tal qualificação permite, por sinal, à Agência Francesa do Tesouro (AFT) - agência de gestão da dívida do Estado francês - emitir um empréstimo de 5 biliões de euros com vencimento em Abril de 2060, portanto de 50 anos, subscrito em cerca de 90% por investidores não franceses. Em 21 de Maio de 2010, o mais reputado empréstimo do Estado francês - a Obrigação Assimilável do Tesouro (OAT) - encontrava prestamistas aceitando 2,93% de taxa de juros. O que suscita algumas reacções do lado da Grécia, quando as taxas de juros dos "seus" empréstimos por 10 anos oscilam em torno de 10%. E as obrigações gregas com vencimento em Março de 2012 tinham um rendimento bruto de 7,27%, isso comparado aos da França (com a mesma maturidade) 0,61% (24 Ore/Il Sole, 24 de Maio de 2010). Entre as economias do «centro da UE» - ou quase ao centro, como a França - e aquelas inseridas na periferia, a diferença é notória. O discurso sobre a convergência europeia sofre um golpe.
2. Há também a demonstração de que uma das funções do euro é a de se tornar uma moeda com um papel importante...  mas nos stocks das obrigações internacionais. E, portanto, na possibilidade dos mercados (quer dizer, os diversos investidores financeiros) exercerem uma forte pressão como credores sobre os devedores. Cerca de dois terços da dívida francesa foi contraída fora da França. Certamente é possível que capitais franceses refugiados em Luxemburgo ou na Suiça constituam mesmo uma fracção dos compradores.
A esse propósito, pode-se examinar a carta que foi publicada na NZZ am Sonntag (10 de Maio de 2010) e no New York Times. Ela ilustra os montantes da dívida pública e as dependências crescentes dos devedores-credores dos diferentes países da União Europeia (UE). Essa evolução, acentuada no curso dos últimos anos, traduz a liberalização dos fluxos de capitais assim como o envio do «crédito-dívida» visando responder às dificuldades de reprodução do sistema e da sociedade capitalistas.
Um tema, que diz respeito à sua «substância», explicado por Marx no Livro III do Capital. Marx insiste sobre a natureza de capital fictício dos títulos da dívida1, fictício mas bem real. Essa constatação esclarece, em parte, o "vasto golpe nas despesas públicas", uma das condições para alcançar um saldo orçamentário primário que permita lidar com a "carga" de uma dívida que registra, em parte, uma socialização das perdas dos "actores económicos privados".

3. Logo, ficou bem claro, no plano do discurso político, o período do G20 de Setembro de 2009 em São Petersburgo.   Então, Sarkozy proclamava: «É preciso refundar o capitalismo»; «É preciso torcer o pescoço da especulação». Os mercados - quer dizer, os bancos, os fundos de investimentos financeiros, os fundos de pensão, as seguradoras, as grandes firmas transnacionais muito globalizadas - simplesmente mostraram quem é que verdadeiramente está no comando.
O cenário está bastante claro. Bancos, seguradoras e fundos de investimento foram salvos da falência em 2008 pelos Estados e portanto pelos assalariados-contribuintes. Desde 2009, esses actores financeiros fizeram de novo bons negócios. Bancos e hedge funds - que se fazem uma forte concorrência em escala internacional - querem neutralizar uma baixa possível - e até previsível - de suas rendas provenientes de acções e dividendos, pois a retomada é muito fraca. Para isso, um objectivo se impõe: assegurar a punção dos juros sobre a dívida pública e consolidar os ganhos das operações especulativas com as moedas (taxa de câmbio volátil) e com as dívidas (títulos). Uma das estratégias especulativas (de ataque e de antecipação) consiste em vender a descoberto títulos do Estado - sem ter a propriedade deles e tomando-os sobre a forma de empréstimos a aqueles que os detêm em sua carteira - os países mais vulneráveis.  A operação se faz, geralmente, em duas fases: Por exemplo, vender por 5 milhões de euros em obrigações do Estado a 88,76 euros, encaixando 4,3 milhões de euros  Depois, três dias após, uma vez o título desvalorizado a 87,76 euros, recomprá-lo ganhando a diferença entre os dois preços, menos a comissão paga por haver tomado emprestado esses títulos.  As operações com os CDS (credit default swap) são do mesmo tipo.

4. Desse ponto de vista, Paul Krugman vê correctamente quando explica que, contrariamente à santa doutrina oficial, a atracção dos investidores pelas obrigações norte-americanas a 10 anos - cuja taxa de lucro se situaria abaixo de 3,3% na sexta-feira, 21 de Maio de 2010 - era originada na «Alta do pessimismo em relação às perspectivas duma retomada económica, pessimismo que fez os investidores se afastarem de qualquer coisa que lhes parecesse arriscado para se refugiar na aparente segurança da dívida do governo americano.» (El Pais, 23 de Maio de 2010)
Que a austeridade generalizada adoptada na Europa - no momento em que se deseja a retomada - conduz a uma depressão económica e social, como reconhecem diversos economistas pouco heterodoxos, não faz parte das preocupações dos "operadores". Essa preocupação pertence aos governos - de centro-direita ou centro-esquerda - que deverão seja se apoiar directamente nos aparelhos burocráticos sindicais, seja utilizar suas «hesitações» para purgar o sistema e fazer aceitar a purga. Tudo isso invocando a «unidade nacional», a «salvaguarda do país», a «necessária modernização produtiva e administrativa», pois o vigor do choque vai desestabilizando a mais de um.

5. Em Dezembro de 2009, o Boletim Mensal do BCE, em seu editorial, já afirmava dois objectivos prioritários para a UE. O primeiro, flexibilizar a legislação do trabalho na Europa. O FMI em seu relatório consagrado à Grécia, datado de Maio de 2008, insistia fortemente nesse mesmo objectivo. Traduzamos, liquidar os direitos do trabalho remanescentes, isso num contexto de desemprego e de emprego cada vez mais precarizado, a fim de reduzir «os custos salariais»; O segundo, a redução drástica dos défices e dívidas públicas. Isso num tempo muito breve e maciçamente passar de - 4,3% de défice do PIB em 2009 para a Irlanda a - 2,9% em 2014; de -11,2% para a Espanha a - 3% em 2013; de -9,3% a - 2,8% em 2013 para Portugal. Daí porque reduzir os serviços públicos (educação e saúde, etc.), os salários e o número de assalariados do sector estatal e para-estatal, as pensões dos aposentados. E favorecer as privatizações em certos sectores, com a possibilidade de testar a rentabilidade no curso dum período de PPP - participação-público-privada.
A Roménia já deu o exemplo. Desde 1 de Junho de 2010, os salários do sector público vão baixar 25%  e as aposentações 15%. Isso num país onde o salário mínimo é de cerca de 150 euros por mês! A experiência foi levada com um vigor similar nos países bálticos.
6. A histeria dos "especialistas" contra os défices silencia sobre quatro elementos. 1º As origens dos défices e das dívidas públicas; isto é, a crise de 2007-2009, os salvamentos bancários e a ajuda às indústrias e à construção. 2º Sem esses amortecedores (despesas públicas e transferências sociais), a queda do PIB não teria sido de 5% mas de 10% na França. 3º A redução do défice público na Suécia nos anos 1990 - sempre invocado como um exemplo - foi possível por causa do crescimento durante aquela década e porque as transferências sociais partiam de muito alto. Além disso, a Suécia pode desvalorizar a sua moeda (a coroa) para exportar. E dispunha de capacidade de exportação. 4º Mas a Grécia, Espanha, Portugal... não têm soberania monetária (desvalorizar e emitir a sua moeda) e, na zona do euro, não há nenhuma política económica e orçamentária comum e "solidária". A sua "soberania" está colocada em questão, como os direitos elementares de definir seu orçamento, que reflectem, à sua maneira, uma "escolha de sociedade".
Pelo contrário, hoje em dia, é imposta pelos «mercados» e pelos que dominam os países do centro da UE (a Alemanha com seu hinterland e os seus aliados) uma política de austeridade geral, com um peso particular imposto às populações dos países «periféricos». Tudo isso em nome duma retomada da dinâmica das exportações. Ela apoiar-se-ia na contracção dos salários directos e indirectos, com o objectivo de reduzir os custos unitários do trabalho.
Pergunta-se como é que em todos os países da UE, em conjunto, os salários podem ser cortados e as unit labour costs reduzidas; isso tendo em vista aumentar as rendas vindas das exportações para fazer face à carga da dívida. No essencial, as exportações efectuam-se, entretanto, no seio da UE. Estabelece-se um canibalismo selectivo.
Trata-se de uma escolha do capital alemão (e dos seus aliados próximos) que, por um lado, utiliza a seu proveito a divisão internacional do trabalho no seio da UE e, de outro, pretende deslocar, progressivamente, o centro de gravidade de suas exportações para fora da UE, sempre conquistando parcelas de mercado no seio da UE.
Essa política de deflação social competitiva fará milhões de mortes sociais. Ela imporá decisões que escapam totalmente às regras mais elementares da democracia burguesa parlamentar.
Ora, o BCE (Banco Central Europeu) aceita títulos degradados da dívida pública que os bancos possuem. E esses últimos refinanciam-se junto do BCE por menos de 1% de taxa de juros e continuam as operações especulativas sobre as dívidas e as moedas.
7. O New York Times (Steven Erlanger), de 23 de Maio de 2010, em primeira mão, escreveu: o "modelo social europeu" está em questão. O resultado das batalhas que se avizinham - no curso dessa guerra - será antes de tudo de ordem social e política. O assalariado europeu, que dispõe das maiores tradições sócio-políticas - apesar de todos os reveses passados - é o visado.
As mobilizações defensivas unitárias - recusa de cortes e rejeição da dívida (com a abertura dos livros das contas públicas e privadas), um sistema de impostos diferente, etc. - são decisivas. Isto para acumular forças e dar o sentimento duma capacidade de resistência e contra-ataque. Não embarcar na «política do choque» que se delineia. Na sequência, as questões elementares e essenciais virão para o primeiro plano da cena política.
Pode-se formular assim. Para orientar os investimentos para a produção de bens e serviços respondendo às necessidades sociais e ecológicas, é necessário que os assalariados disponham do controle sobre os recursos que produzem; dum serviço bancário público controlado democraticamente; do controle sobre o funcionamento das empresas, a apropriação da riqueza e a sua repartição; uma redução do tempo de trabalho. Então, quais são as prioridades que se colocam às sociedades europeias?
A dificuldade da situação não deve conduzir à renúncia duma perspectiva socialista, no fundo, a dos Estados Unidos Socialistas da Europa. Uma tal perspectiva enraíza-se, por sinal, nos problemas que os assalariados enfrentam. Sem isso, não está excluída uma viragem dramática da situação política, ao fim de um certo tempo.

Notas:
1 "A acumulação do capital da dívida pública não significa outra coisa [...] que o desenvolvimento de uma classe de credores do Estado que estão autorizados a cobrar para si certas somas sobre o montante dos impostos [...]. Esses fatos mostram que mesmo uma acumulação de dívidas pode passar como uma acumulação de capital [...].» Karl Marx, Le Capital, Livre III, Tome II, p.138-139, Editions sociales, 1959.

Por outras palavras, o dinheiro dado aos Estados pelos seus credores é dividido pelos títulos que o representam: obrigações, bónus do Tesouro, etc. Esses títulos duplicam esse dinheiro, mas como ele é em grande parte um gasto improdutivo - para pagar os encargos da dívida, por exemplo -, nem sequer representa o capital em funcionamento. Esses títulos são apenas capital fictício. Os Estados criam, assim, capital financeiro fictício. Mas os dirigentes desses Estados denunciam a "exuberância" financeira irracional!
Ora, o crescimento da dívida pública tem a sua origem nas dificuldades de reprodução do sistema e da sociedade capitalistas. Por um lado, salvamento de bancos à beira da falência - que tenham inflado a massa de créditos, logo participaram do crescimento do capital financeiro fictício, como agentes económicos, privados - e ajudar os "ramos privados" em dificuldade (o automobilístico com os seus sub-empreiteiros, o da construção). Por outro lado, "gastos sociais" para amortecer os efeitos (em termos de procura)  das recessões e procurar estabilizar o poder estabelecido.
Porém, hoje, esses são os amortecedores sociais sob ataque. Prioridade aos credores! Um teste social e político duma envergadura histórico-social à escala europeia para as classes dominantes... e para os assalariados.

Lausanne, 25 de Maio de 2010

Um comentário:

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